Atletas indígenas brasileiros celebram cultura e esporte

Posted 5/2/23

TERRA INDÍGENA PIAÇAGUERA, Brasil (AP) — Enquanto uma fogueira acesa por crianças acabava de queimar, os vencedores dos primeiros Jogos Indígenas de Peruíbe recebiam tranquilamente suas …

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Atletas indígenas brasileiros celebram cultura e esporte

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TERRA INDÍGENA PIAÇAGUERA, Brasil (AP) — Enquanto uma fogueira acesa por crianças acabava de queimar, os vencedores dos primeiros Jogos Indígenas de Peruíbe recebiam tranquilamente suas medalhas de madeira, penduradas no pescoço sem grande alarde.

O público, porém, gritava e uivava em torno da arena da aldeia, e os competidores derrotados aplaudiam em meio às baforadas de seus cachimbos.

A competição, que aconteceu durante o fim de semana prolongado de 21 a 23 de abril, no sul do estado de São Paulo, não foi exatamente os Jogos Olímpicos, mas algo do espírito de amizade do passado ecoou entre os 120 atletas dos povos Guarani, Tupi-Guarani e Fulnió, além dos 21 amigos não indígenas que receberam permissão para competir na Terra Indígena Piaçaguera.

O evento esportivo era uma mistura de importações brancas e tradições locais: arco e flecha, cabo de guerra, futebol, uma luta típica dos indígenas brasileiros chamada Uca-Uca, corrida de revezamento carregando toras na praia, tiro com zarabatana, entre outras. As competições de arremesso de lança e de pedra foram suspensas em razão do tempo chuvoso. Não havia pessoas suficientes para disputar a categoria de peteca indígena, que por isso foi cancelada.

Os povos indígenas espalhados por 17 aldeias em torno de Peruíbe, no litoral sul de São Paulo e a 138 quilômetros da capital, frequentemente realizam os eventos esportivos durante outras celebrações de sua cultura. Um ano antes da Olimpíadas de Paris, porém, há interesse suficiente entre os mais jovens por uma competição exclusivamente esportiva, um evento que os anciãos esperam que reforce sua cultura tradicional na região.

“Não esperávamos tanta gente aqui, entre atletas e visitantes”, disse à The Associated Press o cacique Awa Tenondegua dos Santos.

Vestindo um short do Paris Saint-Germain e com pintura preta no corpo, ele competiu – e perdeu – em todos os esportes que disputou durante os jogos.

“Aqui é mais diversão do que outra coisa. Aqui não são as Olimpíadas”, diz. “Mas também somos um sucesso.”

Segundo os organizadores, pelo menos 500 pessoas compareceram ao evento, em uma área menor que cinco campos de futebol, mas muito convidativa, entre uma praia e um lago onde os moradores nadam o ano inteiro. Dezenas optaram por acampar ao redor da aldeia de sexta-feira até o domingo e viver a céu aberto como os indígenas.

Os jogos aconteceram durante o mês de Abril Indígena, uma ocasião que volta a ser amplamente celebrada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seu antecessor, Jair Bolsonaro, era um crítico das celebrações indígenas, e disse repetidas vezes que os povos originários ficariam em melhor situação unindo-se aos brancos como uma só nação e fomentando atividades econômicas que muitas vezes prejudicam o meio ambiente, como a mineração e a extração de madeira. Os Jogos Indígenas de Peruíbe são uma resposta a isso, segundo o ancião Dario Tunpan.

“Já fui a outros jogos, inclusive alguns bem grandes na Amazônia, mas esses são os primeiros depois de quatro anos de tumulto para nós”, disse Tunpan, que veio do sul de Santa Catarina para assistir ao evento enquanto abençoava calmamente os atletas com as mãos. “Agora o tiro com arco é diversão de novo. Nós vivemos em torno das flechas, das lanças. Competir com elas é muito diferente de antigamente; achávamos que também iriamos precisar dessas armas para nos defender.”

Muitos indígenas brasileiros consideram que as pessoas acima de 10 anos devem ser consideradas adultas, o que às vezes coloca fortes competidores frente a frente com iniciantes. Usando uma saia de palha e um cocar de penas, a adolescente Suri Jerá ficou em terceiro lugar na competição feminina de arco e flecha. O apoio da aldeia Tapirema, sede dos jogos, deu a ela um estímulo.

“Não é uma competição de verdade, estamos aqui pelas amizades, mas é bom ver que me saí bem contra elas”, diz Jerá. “Eu não tenho costume de ouvir as pessoas gritando assim todo dia. Foi especial aqui.”

O arco e flecha é claramente uma ligação entre os Jogos Indígenas de Peruíbe e as Olimpíadas, que incluem o tiro com arco no programa desde os Jogos de Paris de 1900. Os atletas brasileiros, que erraram a maior parte dos tiros e decepcionaram os não indígenas por sua falta de precisão, tinham de acertar um de três pedaços de madeira a cerca de 20 metros para somar pontos. Nas Olimpíadas, os arqueiros atiram a uma distância mínima de 50 metros, em um alvo de cinco cores com 10 zonas de pontuação em aros dourados, vermelhos, azuis, pretos e brancos.

Futebol e cabo de guerra, este último um esporte olímpico no passado, são duas importações dos brancos que os indígenas adoram. Os visitantes, porém, estavam mais interessados nas competições tipicamente locais.

A corrida de tora com revezamento é popular entre os indígenas de todo o Brasil. Em alguns casos, essas corridas usam toras que pesam cerca de 100kg, e incluem até 10 competidores em cada equipe. Em Peruíbe, a organização cortou toras de um tipo de palmeira que foi derrubada depois dos rituais, e as distribuiu às quatro equipes de duas pessoas por corrida. A mais pesada delas, usada na disputa masculina, pesava cerca de 5kg. A mais leve, para as crianças, era um décimo disso.

O auge dos jogos para os torcedores, indígenas e não indígenas, aconteceu na tarde de domingo, quando os melhores guerreiros de três grupos, e também alguns iniciantes, se reuniram para a competição da extenuante luta de Uca-Uca. As regras da luta na areia são simples: os competidores precisam derrubar os adversários de costas no chão sem usar as pernas, de forma bem semelhante ao sumô. Não há pausas.

“Esse o Uca-Uca tradicional, mas nós sabemos que alguns têm técnicas de jiu-jitsu na manga”, contou Guaciane da Silva Gomes, uma das lideranças da aldeia Tapirema. “Não tem problema. Estamos aqui para mostrar nossa cultura, mas também abraçamos o que as outras têm de bom. Não estamos aqui para impor, nós só queremos ser vistos e respeitados como somos.”

Assim que a disputa de Uca-Uca terminou, a fogueira foi apagada. Ela será acesa novamente na mesma época no ano que vem, provavelmente em uma aldeia próxima, logo antes do começo dos Jogos Olímpicos de Paris.

___ AP esportes: https://apnews.com/hub/apf-sports e https://twitter.com/AP_Sports

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Esta matéria foi originalmente publicada em inglês em 25 de abril de 2023.

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